Publicação

03/04/2020em Direito Tributário
Dação em pagamento de bem imóvel e as ilegalidades da portaria PGFN Nº 32/2018

O artigo 156, inciso XI, do Código Tributário Nacional prevê, desde o ano de 2001, a hipótese de extinção do crédito tributário mediante a dação em pagamento com bem imóvel.

Embora tal modalidade de pagamento através de bens imóveis estivesse prevista na referida lei, no rol das possibilidades de extinção do crédito tributário, a ausência de regulamentação impedia o exercício da referida opção. 

Foi então com a edição da Lei 13259 de 2016 (posteriormente alterada pela Lei 13313 de 2016) que sobreveio a regulamentação da possibilidade de dação em pagamento de imóveis para fins de extinção do crédito tributário.

O art. 4º da referida lei assim prevê a possibilidade da dação em pagamento somente para débitos inscritos em dívida ativa desde que: (i) os bens estejam livres e desembaraçados de quaisquer tipos de ônus e deverão ser previamente avaliados para que possam ser aceitos; e (ii) a dação deverá abranger a totalidade dos débitos que se pretende liquidar, devidamente atualizados e sem qualquer espécie de redução.

Convém observar que a “regulamentação” do procedimento, em especial no que tange à avaliação dos bens ofertados, foi postergada para ato do Ministério da Fazenda. Foi então que houve a edição da Portaria PGFN 32/2008, que a princípio visaria apenas regulamentar o procedimento administrativo de dação em pagamento de imóveis para extinção do crédito tributário.

No entanto, a referida portaria extrapola os limites da lei 13303/2016.

As ilegalidades da Portaria PGFN nº 32/2018

Conforme já mencionado acima, o art. 4º, inciso I, da Lei 13313 de 2016 remeteu o procedimento de dação em pagamento para um ato do Ministério da Fazenda ao dispor que: “… a dação seja precedida de avaliação do bem ou dos bens ofertados, que devem estar livres e desembaraçados de quaisquer ônus, nos termos de ato do Ministério da Fazenda”. g.n.

Ao analisarmos o dispositivo acima, verifica-se que a intenção do legislador foi de que o ato do Ministério da Fazenda somente regulamentasse procedimentos quanto à avaliação.

Ocorre que a Portaria PGFN nº 32/2018 acaba por trazer uma série de exigências e limitações que vêm a dificultar a efetividade da dação em pagamento de imóvel para extinção do crédito tributário.

A primeira das disposições que vêm claramente a caracterizar enriquecimento ilícito da Fazenda é a obrigatoriedade imposta ao devedor de renunciar a eventual devolução em seu favor de diferença de valores entre o valor da avaliação e do débito (parágrafo 3º, inciso II, art. 3º, da Portaria 32/2018).

Tal obrigatoriedade não está prevista na Lei 13313/2016 e também em nenhum outro dispositivo legal. Pelo contrário, o art. 4º, inciso II, da Lei 13313/2016 possibilita ao devedor a complementação de valores caso o bem ofertado esteja avaliado em valor inferior ao débito consolidado.

Ou seja, a Portaria 32/2018 PGFN extrapola os limites legais ao impor condição não prevista na legislação.

Outras disposições que visam dificultar a efetividade da dação em pagamento são as exigências: (i) de o devedor apresentar manifestação da Administração Federal indireta, através de seu dirigente máximo, de interesse no imóvel ofertado (alínea ‘f’, inciso III, do art. 5º, da Portaria PGFN 32/2018); (ii) em caso de interesse no bem, a apresentação de dotação orçamentária e financeira relativa ao imóvel oferecido e manifestação da Secretaria do Patrimônio da União (SPU) sobre a possibilidade incorporação do imóvel ao patrimônio da União e posterior transferência à entidade da administração interessada (alínea ‘g’, inciso III, do art. 5º, da Portaria PGFN 32/2018).

Além de tais disposições sequer estarem previstas na Lei 13.313/2016 (clara violação ao princípio da legalidade tributária), o que deve ser observado é que a própria Portaria sequer dispõe a forma como obter a manifestação do dirigente máximo da administração pública com o seu interesse e dotação orçamentária, bem como a manifestação da Secretaria do Patrimônio da União (SPU).

O espírito do legislador ao delegar determinadas hipóteses para portaria ou ato é a facilitação na aplicação da legislação, e não o contrário, tal como ocorre com a Portaria PGFN 32/2018.

Essas imposições de manifestações de órgãos da administração pública, sem ao menos indicar o procedimento para tal, por si só já inviabilizam a aplicação da legislação atinente à dação em pagamento através de imóvel para extinção de crédito tributário.

Não fosse só isso, a própria Portaria, em seu art. 10º, prevê que será disponibilizado em “… seu sítio na Internet área para registro da intenção de oferta de bens imóveis em dação em pagamento e para consulta pelos órgãos federais interessados”. Ocorre que tal espaço em nenhum momento foi disponibilizado em seu sítio na internet, o que demonstra que a intenção do fisco em nenhum momento é facilitar o procedimento de dação em pagamento.

Portanto, conclui-se que existe uma gradativa limitação do direito à extinção do crédito tributário mediante dação em pagamento de bem imóvel na razão inversa da hierarquia dos instrumentos normativos. 

Quanto menor a hierarquia da norma, maior a restrição ao direito do contribuinte em débito tal como ocorre na relação entre a Lei n. 13.313/2016 e a Portaria PGFN 32/2018.

Não se demonstra razoável e coerente submeter o devedor à apresentação de um número infindável de documentos que implicam em despesas consideráveis, para, ao final, ter que se submeter ao critério de oportunidade e conveniência da dação em pagamento de imóvel, sempre dependente da vontade subjetiva do servidor público da unidade descentralizada da PGFN.

 

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